sábado, maio 27, 2006

Monologo de Orfeu



(apereira)

Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa
O meu peito em soluços! Te enrustiste
Em minha vida; e cada hora que passa
É mais por que te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada...
E sabes de uma coisa? Cada vez
Que o sofrimento vem, essa saudade

De estar perto, se longe, ou estar mais perto
Se perto, – que é que eu sei! Essa agonia
De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
Que é bem capaz de confundir o espírito
De um homem – nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia
Esse corpo! E me dizes essas coisas
Que me dão essa força, essa coragem
Esse orgulho de rei.

Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim! Sem ti sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou
Pedra rolada. Orfeu menos Eurídice...
Coisa incompreensível! A existência
Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos. Tu
És a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo, minha amiga
Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!

A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura! Quem
Poderia pensar que Orfeu: Orfeu
Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres - que ele, Orfeu
Ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo!

(Vinicius de Moraes)

4 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Este gajo conhece-me?... Está tudo certo, só não percebi aquela cena final (vai mulata...?). É inter-racial mas o escuro sou eu.

29 de maio de 2006 às 14:56  
Anonymous Anónimo disse...

O desenho está fabuloso. Há um gajo do andaimo de baixo que também faz uns graffitis do best. É de Chelas. É fixe. Contudo, gosto mais dos teus.

29 de maio de 2006 às 15:00  
Blogger apereira disse...

gosto do teu novo "middle name"... ;-))))

foi a melhor Eurídice que consegui... milhões amada... tão bonito este poema... apesar de o achares de fôlego pesado!!!!

1 de junho de 2006 às 14:57  
Anonymous Anónimo disse...

Conseguiste fantasticamente.
Eurídice 4ever.

1 de junho de 2006 às 20:36  

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