quarta-feira, dezembro 28, 2005

Elogio ao Amor por Miguel Esteves Cardoso (Expresso)


Apesar da admiração que tenho pelo Miguel Esteves Cardoso, pela escrita e modo de pensamento analítico que faz das situações e das "coisas", pela crueza e pureza com que trata os assuntos sobre os quais escreve e pela aparente sinceridade e credibilidade que tem neles, achei que este texto estava muito bonito e muito transparente. Decerto já deve ter rodado a net umas milhentas vezes, mas hoje foi a primeira vez que o li e gostei, daí partilha-lo aqui nas "alegações somatotópicas". Eu partilho quase toda esta opinião porque me considero uma observadora (às vezes demasiado indiscreta, eheheh) e ainda ontem fui ao IKEA e a quantidade de casalinhos a discutir por todos os cantos dos "protótipos" de casinhas acusam esta nova sociedade... como dizia uma amiga: "vir ao IKEA com o marido ou namorado é assassinar a relação, ahahaha".
Onde é, por vezes, muito evidente são os casais nos restaurantes... em silêncio toda a refeição (como diz o meu pai "quando se canta não se assobia") como se fossem estranhos que partilham uma mesa...
O texto para alguns poderá ser lamechas... para outros uma verdade e para outros, ainda, um ultraje... à vossa consideração!!!!


"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenhouma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que sesegue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O quefor incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenhopara dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito.Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido.Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama.Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em ”diálogo".O amor passou a ser passível de ser combinado.Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem.
A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível.O amor tornou-se uma questão prática.O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amorestúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estoufarto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistascomo os de hoje.Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo deousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, maltado "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos,bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudadesem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, adoença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos cantano peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha.Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso.Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja.Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor.É essa beleza. É esse perigo.O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes.Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor.
A "vidinha" é uma convivência assassina.
O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição.Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe.Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma.É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe,não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É porisso que a ilusão é necessária.A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos.E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama,não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um minuto de amor pode durar a vida inteira.E valê-la também."

2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Cuidado (Casimiro), cuidado com as imitações!

Amor não tem onde, nem como, nem porquê. É um acidente! Quase como o Euromilhões, para o termos temos de jogar e manter a esperança que um dia nos vai calhar. E quando calha não sabemos o que fazer com ele, é apenas uma enorme felicidade. Mas tal como os €s, se não for bem cuidado, se for esbanjado, se for desprezado ele desaparece. O amor é um investimento! Um investimento no ser humano.
E há muitas formas de amar. O amor é um
coisa que está guardada em nós, da qual temos que ter permanente consciência de estar presente, para permanentemente o praticarmos no dia-a-dia, com todos os que connosco se cruzam. É a nossa prenda, são os nossos €s. (lembras-te da Fábrica de Chocolate?)

Atenção: amor não é gritaria, nem facadas. Esse é o desengano de quem tem , ainda, de aprender a amar.

28 de dezembro de 2005 às 20:20  
Blogger apereira disse...

Por falar nisso tenho que "investir" no Euromilhões... a ver se me sai qq coisita... olha...ficava logo em Amesterdam, bah ahahah... :-p

29 de dezembro de 2005 às 10:34  

Enviar um comentário

<< Página inicial